quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Só por ser fim de ano?

Sabe aquele balanço que perturba a maioria, nos finais de ano? Pois então. Fiz só uma vez, uns anos atrás. Muito trabalho! Agora faço sempre, para não acumular e tento corrigir o mais cedo possível os desvios que a vida impõe.
Estou agora tentando incutir aos amigos, pretensiosamente, que o façam também nos 360 dias do ano. Esses últimos 5 dias, aconselho – sabendo que se fosse bom, vendíamos –, reservem para o que eles, comercialmente, pretendem: presentear, reunir as famílias, cear juntos, rir, beber, bebericar, ver as crianças, ávidas, rasgarem os pacotes de presentes e o que acho mais importante, estar em companhia daqueles que mais cedo ou mais tarde não estarão aqui. A vida é curta e a saúde frágil...O restante do que essas datas, pagãs, mascaradas de cristãs, hipocritamente representam, devem ser praticadas o ano todo.
Nos 360 dias do ano que antecedem essas datas festivas, a prática deve ser a de amar, doar, perdoar, compreender, ouvir, e se possível, dar as duas faces, sem a balela de que parecerão fracos, afinal, só os fortes perdoam... Utopia? Ela me move. Ainda espero em uma nova era, que minhas gerações futuras, em dia de Natal, comentem a mesa o quanto difícil era viver no século XXI, com todas as diversidades e animosidades inerentes ao ser humano, já que nesse novo mundo, não há segregação, racismo ou ódio.
Não sou Madre Tereza – não renunciei minha vida para assistir a de outros –, contribuo para um mundo melhor, simploriamente: respeito os idosos, as crianças, os homens, os animais e o meio ambiente.
Como poucos, amadureci e evoluí, cada vez mais nesses 360 dias, tendo muito a aprender. Passei a ser mais tolerante e a compreender mais. A perdoar e esquecer. A engolir as injustiças contra mim e a clamar das, contra outros.
Acumulei riquezas? Comprei casa ou troquei meu carro? Torrei salários no shopping, com futilidades? Cometi claro, vários, dos pecados capitais. Aviltei? Magoei? Sacrifiquei? Certamente que sim.
Procurei melhorar. Errei, acertei, mas tentei.

Usei o que Ele me reservou de mais precioso, para refinar as qualidades que eu já sabia existirem em mim: o dom de ser mãe é, sem sombra de dúvida, a mais importante.
Em meio a tantas pessoas com a mesma benção, eu agarrei a Graça e fiz dela meu presente maior, minha moção de vida. Portanto, posso dizer que, não obstante as incertezas que a gestação causa, o crescimento delas foi tranqüilo, amoroso e hoje colhemos, juntas, o que de melhor a vida tem destinado à elas. Só quem é mãe e ama seus filhos – e já chorou baixinho, no travesseiro, após negar muitos dos pedidos deles –, é capaz de sentir o peito inflar de orgulho ao ser sempre a primeira a receber as notícias, boas ou ruins, das suas aspirações.

Me mostrei forte e conquistei o mundo – meu mundo. Me arrependi, e aprendi a fitar à frente, mesmo com olhadelas furtivas para trás. Arquei, não sem luta renhida.

Mais uma vez agradeço a força física, vigor e resistência que recebi Dele. Sem saúde, até emocional, não sairia do lugar.
Todas as quinquilharias que costumamos acumular foram removidas no passar dos dias. Não preciso, agora, arrumar meu guarda roupa para dar lugar ao novo. Ele tem sempre espaço sobrando. E sequer a lista, malfadado, de coisas a fazer no novo ano, escrevi!
Aí, só por ser fim de ano, as pessoas ficam mais sentimentais, quando destratam tudo e todos, o ano todo.

Como citei em outra reflexão, na peça da minha vida, eu sou a protagonista e todos ao meu redor não são meros coadjuvantes: seus papéis sempre foram o de atores e atrizes com participações especiais e créditos em letras maiúsculas!

Uma excelente noite de Natal, regada a beijos e abraços carinhosos, grudados, apertados, carícias nos cabelos, tapinhas nas costas, gracejos e muito brilho no olhar, verdadeiro, de quem será, daqui para frente, capaz de PERDOAR, ESQUECER e AMAR, sem receio de ser FELIZ!!! Que as rabanadas e os bolos e tortas doces, adociquem essa noite e os seguintes dias de 2010.



O ANO QUE VEM SERÁ DEZ!!!

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Rifa-se um coração


Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealisa.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
Um pouco inconsequente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado,
coração que acha que Tim Maia estava certo
quando escreveu... "não quero dinheiro,
eu quero amor, sincero, é isso que eu espero..."
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações
e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que,
abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado,
indicado apenas para quem quer viver intensamente e,
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo, defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando para de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir", eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não enducerecer e, se recusa a envelhecer.
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconsequente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que,
ainda não foi adotado, provavelmente,
por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário
a publicar seus segredos e, a ter a petulância
de se aventurar como poeta.


Clarice Lispector

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Bubi, O Cara!


Temos momentos tristes e momentos felizes. Já fui questionada, em um curso estilo auto-ajuda (se houve um dinheirão gasto à toa foi com esse curso - não recomendo), a falar sobre eles. Fiquei deveras feliz ao ver quantas pessoas urravam ao chorar, por guardar mágoa e ressentimentos, principalmente dos pais, e eu ali, estarrecida com a quantidade de pessoas nesta situação, sem conseguir lembrar um dia sequer. Na ocasião, o único falecimento – um momento muito triste em nossas vidas – havia sido da minha bisavó, em 1990, ano em que não havia comunicação instantânea, portanto, fomos avisados em hora tardia, em férias e fora da cidade. Resumo: não comparecemos. Foi uma passagem indolor. Quando voltamos, ela não estava mais entre nós. Choramos e aliviamos em saber que ela havia ido embora de velhice mesmo, sem doenças e lúcida.
Se questionada novamente, este ano, teria duas lembranças ruins. A morte precoce e abrupta do meu tio Bubi foi a primeira.
Ele foi um cara excepcional. Era malandro, mas com a malandragem daqueles homens antigos, que usavam sapato branco e chapéu de palha. Aliás, dava chapéu em quem quisesse e ninguém magoava, pois sua simpatia impedia e nunca feriu ninguém ou pretendeu fazer mal. Malandragem que todos sentem falta. Homem que emanava vida e amava viver. Dele conto duas passagens. Uma em seu velório e podem até achar que o humor é negro, mas vindo dele, não poderíamos esperar mais nada, e a outra – existiram muitas –, foi em um feriado. Farei um breve relato. Bubi, apelido germânico do Jorge Lang Filho, havia comprado uma mega casa no interior de São Paulo. Mega para nossos padrões, deixo claro. Casa com piscina, quadra de tênis, quartos de hóspedes, enfim, uma casa bacana para reunir a molecada (característica deles – casa cheia de pessoas, festa ano inteiro). Churrasco e cerveja no feriado todo. Ele era um amante da culinária e quando lá, era o Chef. Suou para realizar esse sonho. Nesse dia em questão, ele fez gulasch, prato adorado por nós, mas não comeu. Disse que estava mal, com dor no corpo, como se viesse uma gripe forte. Perguntou-me se cebola tinha alguma vitamina e era bom para gripe. Falei que sabia do alho, e todos concordaram, mas que cebola ao menos iria acabar com a congestão nasal. Ele bateu no liquidificador uma cebola roxa com o alho, bebeu e foi deitar.
Segunda, após o feriado, levou minha tia ao hospital, com crise de labirintite. Aproveitou e foi queixar-se ao médico. Minha tia veio embora e ele ficou. Infartado. Pode?! Depois disse- me que a cebola salvou a vida dele. Esse era o tio Bubi. Positivo, sempre!
A passagem no velório dele, recente – me perdoe pai, primos, tios e Mama – diz respeito ao seu estilo de vida, abrilhantada.
Ele sempre quis viver com tudo que a vida oferece de bom – vinho, comida, restaurante, hotel – e quem não quer? -, em grande estilo. E justamente quando conquistava seu lugar ao sol, foi ceifado precocemente.
Faleceu em um acidente de avião, onde era o piloto, junto com a família toda do empresário para quem pilotava, incluindo netos e babás . O velório, triste para todos, foi o mais comovente que eu já presenciei. Caixões pequeninos e adultos, velados lado a lado. Sete, se não me engano, ao todo. A funcionária de confiança do empresário organizou tudo. Eficientemente. Se não fossem os caixões, pareceria com uma recepção de casamento. Café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde.
Sabem como é velório? Encontramos parentes e amigos que não vemos há anos ou nem conhecemos. Lá, minhas filhas foram apresentadas a alguns e eu vi outros que não reconheceria na rua, se em mim esbarrassem!
Em certa hora, chega uma amiga da minha prima, que não víamos há séculos. A moça entra no saguão do velório, para na nossa rodinha, olha para nós, e antes de cumprimentar qualquer um, solta essa pérola:
- CARALHO!! O tio é foda!! Até pra morrer foi em grande estilo! Olha isso aqui. Tem até o Governador do Estado!
Todos, mudos e perplexos frente à espontaneidade dela. Coberta de razão. Se houve alguém a quem Deus disse desce e arrasa, foi para ele.
Assim foi a vida dele. Cheia de amigos, festas, eterna confraternização. Homem privilegiado – quem consegue viver tão profundamente? – e amado, por sua esposa, seus filhos, parentes e amigos. Assim foi a morte dele. Morreu fazendo o que mais gostava e foi enterrado em grande estilo, como gostava de viver. Esse é O Cara!
Viveu intensamente, cada dia de sua breve vida. Aqui deixou três filhos maravilhosos uma neta, esposa saudosa e irmãos, irmãs e mãe.
Eu queria ter vivido até aqui como ele, mas isso não é para qualquer um! Leve, com certa irresponsabilidade e cativando todos do meu caminho.

Tio Bubi, fica aí, sob as mãos Dele, pois aqui todos rezam por sua alma.

TE AMAMOS!

Saudade
S2





P.S.: quem sabe um dia, quando o outro momento doer menos, tenha coragem de postar... :-(

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Young!

Uma vez saí com um rapaz. Ele me abordou gentil e sutilmente, às 6 da matina, em uma loja de conveniência em um posto de gasolina. Trouxe-me um sonho de valsa e muitos elogios. Conversamos por vários minutos e pediu meu número de telefone. Corpo atlético, alto, mãos grandes e bonitas, rosto de bebê Jonhson, fisioterapeuta. Dei o número. Quatro anos mais novo.


Conversamos por telefone durante uma semana, até ouvir o convite para sair. Enquanto resolvíamos onde ir, ele disse-me que estava em overtrainning – treinamento excessivo –, segundo ele, afastado do trabalho e sob efeito de analgésicos. Atravessava o morro da nova Cintra, depois de correr a orla da praia toda e puxar ferro durante hoooooras na academia. Eu não corro esse risco...no máximo ganho uma distensão por me posicionar errado no aparelho de ginástica.

Eu falei para deixarmos para outro dia, quando ele se sentisse melhor, mas insistiu em marcar aquela noite, então lá fui eu.

Até que estava animadinha, mas sei lá o que me deu, fiquei sem muita vontade e até arrependida de ter aceitado. Tentei muito em declinar, com aquelas desculpas de sempre e que achamos que cola, mas, se fosse comigo ficaria muito brava, resolvi ir.

Cheguei em casa em cima da hora para me trocar. Tomei banho, escolhi a primeira calça que apareceu no armário, a regatinha que olhou pra mim na gaveta, o salto preferido, rímel e batom, amigos e companheiros de todos os dias, perfume e, fui.

Pediu para eu buscá-lo na orla da praia. Estranhei, mas busquei. Pensei que não tinha carro, mas vi descendo de um, quando estacionei ao seu lado. Entrou e me beijou no rosto, combinamos onde ir e guiei, conversando desanimada e desconfortadamente.

Não gosto nos primeiros encontros, em particular no primeiro encontro, pedir ao cidadão que me busque e nunca tinha ido buscar nenhum homem. Quero, se alguma coisa me desagradar, ir embora antes. Se eu não gostar do andamento da coisa, corro sem olhar pra trás.

Fiz meu pedido ao garçom, chopp, ele escolheu a bebida dele, água, pois estava em dieta. Não estranhei pois meu ex-marido não bebia nada alcoólico.

Conversamos um pouco e o rapaz escorregou no tomate, meteu o pé na jaca, nos primeiros minutos. Erro número um: disse que ainda estava ligado na antiga namorada.

Tem algo mais deselegante que falar sobre ex no primeiro encontro? Acho que ele fugiu da aula onde dizia ser proibido tocar no nome de ex qualquer, principalmente no primeiro encontro. Humpf! Eu sabia. Quando a esmola é demais...

Fiquei mais desanimada.

Desce mais um chopp. Conversa vai, conversa vem e...erro número dois: afirmou que TODAS as mulheres só querem o dinheiro dos homens! Coitado... Não tá dando um dentro, pobrezinho. Quem me conhece sabe de meu histórico feminista. Tsc, tsc, tsc. Erro fatídico.

E era tão bonitinho o moço... Bom, pensei comigo, melhor dar uma chance a mais para ele. Quem sabe a conversa melhora. Afinal, todos os homens são machistas! Quem sabe ele é menos machista. Quem sabe ele nasce de novo!!

Revidei com argumentos que o deixaram meio zonzo, até achei que o enfureceria e com isso o encontro acabaria, mas que! Ele só fazia elogiar mais e mais minha aparência e minha suposta inteligência (vindo dele, nem era muito elogio, rsrs). O esquisito é que ele estava inquieto na cadeira, a noite toda.

Mais um chopp, por favor! No caso dele as mulheres não deviam ser interesseiras. Deviam é beber mais!!

Mais conversinha banal, vazia, insossa. Um rapaz agradável aos olhos e, como não tinha mais nada a fazer, fiquei lá, ouvindo.

Resmunguei que precisava comer. Quando o cardápio chegou, veio junto o erro número três, o tiro de misericórdia.

- Preciso contar uma coisa... – falou o indivíduo.

- Diga. Não sei se quero muito saber...enfim...

- Estou sem graça...

- Por que? Fala! Que que houve?

- É que estou fazendo uma dieta, como já disse, e acho que aqui não há muita coisa que eu possa comer...

- Bom... Leia e escolha, pois eu como até jiló. Falei, já perdendo a paciência.

Olhamos o cardápio, mas sequer passou pela minha cacholinha perguntar o motivo da dieta. Deduzi ser pelo excesso de treino – proteínas e vitaminas, sem gordura e obviamente um boteco não é lugar de comidinha sem gordura. Mas ele, inconformado com a minha falta de curiosidade, resolveu acabar com o restinho da noite e entornar o caldo de vez.

- Eu preciso falar... gosto de ser honesto e não dá pra mentir num primeiro encontro...mas ó...cê vai tê que me prometê que isso não vai atrapalhar nada, promete, linda? Afinal, somos da área da saúde e você vai entender... Será?!...

- Bom, não prometo nada...mas estou ficando chateada. Fala de uma vez, pois não gosto de ser enrolada... Você é diabético? Hemofílico? Está em quimioterapia ou rádio? Fala, homem!!

- Não, nada disso...não sei se notou, mas estou me mexendo a noite toda na cadeira...

- Percebi sim...e que tem isso?

- ...inclusive afastado da Santa Casa. E hoje vim te ver a base de tramal, intramuscular...vê que importância eu dei ao nosso encontro?

- Tá, mas o que você tem?? Fico lisonjeada com o esforço...

- E por causa disso, eu não posso comer várias coisas...

- Tá, eu já entendi...mas se não é nada daquilo que achei, o que você tem? Em tom furioso...

- Eu tô com um probleminha no meu Foreves Young...

- Como?! Não entendi! Onde?!

- É... lá... no foreves... Rindo, como se tivesse alguma graça... E continuou: Na realidade, por causa do excesso de treino e pegar pesado na musculação, sabe o que acontece com quem treina demasiado, né?

- Sei, sim. Disse, muito brava e estupefata. – Geralmente os marombeiros acabam com hemorróidas...

- Pois é...estava constrangido em falar, mas sei que é da nossa área e que iria entender.

Vendo meu rosto, contrariada, começou a tentar reverter o constrangimento que estacionou na nossa mesa.

Bom, o que posso lhes falar? Perdi a fome com a imagem de uma hemorróida pululando na minha mente. Depois de não escutar o que ele dizia, pois só pensava na dita, fui ao banheiro, não sem antes dizer que queria a conta.

Só para fechar com chave de ouro, quando a conta chegou, ele empurrou, aberta, a caderneta mais para perto de mim – e eu só entendi dias depois -, dizendo em tom soberbo:

- Hoje é por minha conta!

Eu tinha que passar por isso!! Em plena quinta-feira, um homem atraente e lindo ao meu lado e deselegante ao extremo. Não sei também se é falta de elegância ou educação...talvez até de simancol...

Por isso digo...

Só comigo mesmo...

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

De molho.

Vou hoje fazer um apêndice, um intervalo, uma propaganda, um reclame, no relato da minha viagem, para postar, envaidecida, como somos moldados desde nosso nascimento – ainda que caráter seja nato – e o privilégio, de só quem é mãe e participa da educação da filha, pode sentir nessa empreitada.


Estive acamada, literalmente. Por três dias, só me levantei para necessidades básicas – higiene pessoal e necessidades fisiológicas.
Minha família mora em outra cidade e recentemente, minha primogênita alçou voo pra lá também. Moro eu e minha pequenina. E dois yorks.
Nunca fui uma mulher acostumada a ser servida ou a receber mimos. Venho de uma familia nada amorosa, austera e seca. Faço tudo por mim, sem esperar nada. E ninguém faz melhor que eu.
Acho repugnante, asqueroso, mulheres que pedem de tudo e para todos, de presentes a atenção. Pra mim é uma exploradora. Entendi, desde pequena, que se eu pedisse – e se esse algo não estivesse ao alcance do bolso de quem fosse -, talvez o constrangesse ou o entristecesse. Obviamente não com essa clareza toda, só sentia não ser certo pedir. Assim cresci e fui educada. Assim eduquei minhas meninas. Não peço nada e geralmente sou taxada de orgulhosa.
Ao me perguntarem “o que quer de aniversário?” ou “o que quer de natal?”, a resposta sempre foi a mesma: o que quiser.
O ruim dessa história é que sofro decepções. Já ganhei presentes horrorosos, esperando algo mais romântico, e equivocado. Até usado. Mas recebo todos com carinho, pois sei que a pessoa perdeu ao menos um minuto do dia, pensando em mim.

Minha pequenina e indefesa, delicada, doce e educada filha mais nova, mostrou, nesses dias, que valem todas as duras penas ser mãe, só para ver acertei ou acerto em sua educação, e o quanto está amadurecendo para se virar nesse mundo cão.
Suas atitudes, sua preocupação, seu modo de agir – tudo que fez – foi a prova cabal de que estou no caminho certo ou eu fui mesmo abençoada com filhas de índole boa.

Ajeitou minha cama; cobriu- me com edredom; lavou louça a noite; tirou o “gelo” dos sucos e leite, no microondas; fez sanduíches, com a opção de in natura ou quente; ligava no intervalo da aula para saber se estava melhor, dizendo quando ia se atrasar e a razão e ainda me orientava, perguntando se havia tomado meus remédios.
Serviu-me na cama, sem reclamar. Todas as vezes que a chamei, respondeu prontamente. Em seu rostinho de 11 anos, era nítida a preocupação com minha saúde e meu bem estar.
Não imaginam a vozinha dela - é uma menina de trejeitos delicados. linda, calma, tranquila.
Ficou comigo acordada madrugada, nesses dias, conversando, contando sua vida social e escolar, pedindo para eu procurar um médico e acordava as 6h30 todo dia, até que uma noite, exaurida, dormiu com o prato na mão - estávamos comendo pizza na cama, sempre repreendido por mim, mas que podia ser regra quebrada, já que a situação permitia -, que escorregou e fez-se em pedaços no chão. Chorei. Sou abençoada e tenho muita sorte.

Nunca fui tão mimada.

Nunca me senti tão amada.

Nunca me senti tão importante para alguém.

Nunca me senti tão indispensável.

Amo ser mãe.

Amo minhas filhas, incondicionalmente.

A mais velha, em tempos tecnológicos, fez a mesma coisa - preocupou-se -, por mensagem instantânea e acho até que ralhou comigo, já que é meio impossível ler entonação.
Cada vez que observo atitudes nelas que eu e minha família contribuímos, fico emocionada e orgulhosa. São seres humanos da mais alta estirpe, raridade nesse mundo torpe, fútil e egoísta.
Se morresse hoje, morreria tranquila, sabendo que elas absorveram todos os valores de família que recebi e transmiti, aqueles que moldam o homem.

Minha vida é maravilhosa, agraciada e divina. Sou muito feliz.

Já plantei uma árvore, tive filhos e, num mundo virtual, escrevo em um blog, o que é quase um livro (ué, posso pensar assim, pô?!) – pra mim, missão cumprida e tenho só 38 anos. Agora, é esperar os louros, em forma de mais atitudes honestas, gentis, dignas, decentes, íntegras, como são as da minha mãe, meu pai, meu irmão e as minhas.
E curtir...
Katherine e Rebecca. Sinônimo, em meu dicionário, de ser humano.

;-D

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Carnaval em Praia Grande - SC (parte II)

Mala em mãos, eu fui procurar pela Leli, apelido da irmã de minha amiga e a culpada por essa viagem fantástica!

O aeroporto estava vazio, as moscas, niente alma. Encontrei-a. Estava acompanhada por mais duas amigas, de ascendência oriental. Japinhas.
Beijos de boas-vindas, cumprimentos, apresentações e logo estávamos no estacionamento, onde conheci o Anderson, o herói da história – sim, pois viajar com quatro mulheres não é nada fácil.
Anderson é muito alto, louro e olhos claros, típico de quem nasceu no sul do nosso país. As meninas, com estaturas menores que a minha, magras. Ana era a menor de todas. Era ela quem dirigia. Abriram o porta- malas do carro, um celta alugado, e fizeram cara feia quando viram minha mala: era enorme, quase do tamanho do carro. Anderson tirou as mochilas, colocou minha mala e depois arrumou, reorganizando novamente.
A Leli me avisou que iríamos dormir em Porto Alegre, no apartamento do amigo do amigo da amiga dela, e cedinho viajaríamos para Santa Catarina e... Como? Ouvi bem? Santa Catarina?
- Santa Catarina? - perguntei...
- É, Raquel...vamos para Santa Catarina, passar o carnaval lá...  - daria tudo para verem as expressões dos outros três, de constrangimento, olhando pro chão - hilário!
- Mas a Luise me disse que era Porto Alegre...
- Eu sei. Não sabia se você ia gostar...fiquei sem graça em dizer que nós ficaremos em um hostel...
- Um albergue?! Nós vamos passar o carnaval em um albergue da juventude?! – surpresa! Se tá no inferno, abraça o capeta!
Jesusinhoamado!! Ninguém me disse e eu não perguntei...agora é tarde. Simbora!!
- Então, tá. Bora!
Tinha ainda que digerir a novidade. Eu tenho essa mania, péssima, de não perguntar por detalhes. Empolgada com a perspectiva de sair do meu universo, sequer quis saber onde ficaria, com quem e por quanto tempo. Então é isso. Voei até Rio Grande do Sul, pra passar o carnaval em Santa Catarina. Xiiii, Marquinho!!
Dormimos em um apartamento no centro de Porto, antigo, e cedinho estávamos acordados, para empreendermos viagem. Assentados nos respectivos lugares, com a Ana no volante – mal se via sua cabeça além do encosto, tão pequenina figura era, lá fomos nós.
Conversa vai, conversa vem, paradas para xixis e cafés, estrada, paisagem, pardais, quase seis horas depois, vejo, horrorizada, uma placa: BEM VINDOS A PRAIA GRANDE. Não acreditei na coincidência – de Praia Grande direto para Praia Grande! Só comigo mesmo!
Restava então questionar o restante do planejamento da viagem. Foi chocada que soube ser a jornada uma parada ecológica. CAGALHOS! Eu tinha sapatos com saltos altíssimos, colares, bolsas fashion, maquiagem, brincos, secador de cabelo na mala, e ia para um albergue da juventude, em uma cidade que vive do ecoturismo, com escaladas, trilhas e essas naturebas todas da moda. Agora entendi o conselho do tênis e calça confortável. Repetindo: tá no inferno, abraça o capeta!
A cidade era uma graça. Com uma única praça, da Igreja, obviamente, casas de madeira construídas sobre pés ou estacas – famosas palafitas – ruas pouco asfaltadas, barrentas e vermelhas, típica de cidade que está constantemente alagada pelas chuvas e extravasamento do rio, com seus habitantes loiríssimos e crianças tímidas que se escondiam quando passávamos.
O albergue era simples, limpo e cheiroso. D. Neri, a proprietária, deixava a roupa de cama e banho muito macia e cheirosa – além dela, só conheço minha mãe. Tinha gramado ao redor da casa, paredes de tijolos vermelhos, uma sala aconchegante, cozinha com uma mesa grande, várias cadeiras, geladeira, um rádio que não funcionava e nenhuma televisão. Celular? Nem pensar! Não havia sinal, nem da Vivo, portanto...isolamento! Delícia. Sem TV, celular e rádio. Tudo que precisava.
Escolhemos nossas camas, descarregamos o carro, guardamos os pertences no guarda-volume e procuramos saber onde era o mercado, avisados de que o mesmo fecharia no feriado, saímos correndo às compras.

Continua...

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Carnaval em Praia Grande - SC (parte I)

Fiz uma das melhores viagens da minha vida em um feriado de carnaval.


A irmã de uma amiga me convidou para passar o feriado com ela, três ou quatro dias antes da sexta-feira de carnaval, em Porto Alegre, no lugar da minha amiga, que não poderia ir. Passagens aéreas pagas, alguém precisava fazer esse sacrifício! Avante ao altar!! Aceitei imediatamente, afinal, estava solteira recentemente e precisando dar uma escapada: seria ótima a companhia de pessoas que não sabiam nada da minha vida e não teceriam comentários sobre a separação.

Aceito o convite, malas deveriam ser feitas e filhas esparramadas. Só havia um detalhe – não queria que meu pai soubesse. Sabem como é pai...estive junto com um homem por 19 anos e como é do conhecimento geral, o casamento não terminou do modo convencional (existe modo convencional?), então, papai estava sempre preocupado comigo e as netas. Ele não receberia bem a notícia de uma viagem assim, de última hora, para longe. De qualquer modo, decidi. Não iria contar. Quando ele me liga, nunca pergunta onde estou, só se está tudo bem, assim não haveria mentira, se me limitasse a responder as perguntas. A mente ludibriando o coração...

Correndo contra o relógio, consegui fazer a mala na quinta à noite, pois deveria estar no aeroporto na sexta, no começa da tarde. Arrumando a mala: roupas íntimas; camisola; pijama; shorts, camiseta; blusas; calças; sapatos, baixos e altos; chinelo; biquíni (vai saber, né?); sandálias e sapatos para baladas, assim como roupitchas fashion e bolsas; badulaques; perfumes; desodorantes; escovas, cabelo e dentes e tudo de uso pessoal e intransferível (algumas pessoas ainda insistem que sejam de uso coletivo, argh!). Engraçado! A irmã da minha amiga me ligou hoje e pediu para colocar uma calça confortável e um tênis... Bom, vamos lá: ponhamos tênis e calça confortável. Fecha zíper. Será que falta algo? Azar....o tempo é curto!

Minha amiga, que não poderia viajar, me levou até São Paulo, para Congonhas. Era o ano de caos nos aeroportos, com atrasos e gente pra tudo que é lado no saguão, irritadas, sonolentas, famintas. O ano da pérola da Marta Suplicy: “relaxa e goza”! Afe!!

Despedimo-nos na porta, com muitos beijinhos e abraços, além do famoso clichê “...divirta-se e descanse, vai ser bom pra você!”.

Fiz o check-in com certa antecedência, em contrapartida com a bagunça generalizada dos cancelamentos, pois tenho uma relação doentia com relógio e seus ponteiros.

Comprei um livro excelente – mas paguei os olhos da cara lá dentro – e sentei no chão. Era pisada vez ou outra, na muvuca de gente que transitava no saguão. Esperava pacientemente.

O celular tocou, fui atender, e ao ver o nome no visor, faltou sangue em toda a periferia do meu corpo, ficando lívida e gelada: Lang. Céus! Meu pai nunca liga essa hora! A voz, saindo da caixa do alto-falante nas paredes do aeroporto, não parava! “- Tuuuuu...tuuuuuu! Atenção, senhores passageiros! O voo 386, com destino a Manaus foi cancelado.” , “Tuuuu...tuuuu... atenção, senhores passageiros. O voo 1348, com destino a Santa Catarina, foi cancelado.”, “Tuuu...tuuuu...Atenção...” Catso! Tinha que atender, pois o deixaria preocupado! Esperei a voz calar-se (como rezei!) por instantes e atendi.

- Oi. Tudo bem?

- Oi, pai, tudo bem sim e com vocês? Voz pra dentro, engolindo em seco.

- Tudo bem e as meninas?

- Estão ótimas. – voz sumindo...

- Vai subir no carnaval ou vai rasgar a fantasia por aí? Risos.

- Não vou subir, não, pai. – eu rogo aos céus! Que acabe a bateria do celular! Que caia o sinal! Um milagre, alguém, por favor, um milagre!!! Mutleeeeeey!! Faça alguma coisa!!

- Raquel, tá ruim a ligação, eu não tô em São Paulo, tô longe, não te escuto bem...depois eu ligo. Manda beijos para as meninas. – suspiro, aliviada: Oh, Deus..obrigada, obrigada...!!

- Tá, pai. Mando sim. Dê beijos na mamãe e em todos aí.

- Eu dou. Tchau.

-Tchau, pai.

- Beijo.

-Beijos... – voz sumiu...

Água! Água! Minha língua grudava no meu palato. Diazepan, 2500mg! Cachaça, dupla! Rápido!

Ainda bem que ele não perguntou nada!

Primeira prova de fogo! Passei incólume!

O voo foi anunciado, com atraso. Fui para a fila, entrei no avião. Olhei minha poltrona e tinha uma menina, ocupando o meu lugar. Fui sentar em outro. Claro que, com tanto assento no avião, escolhi justamente o lugar de uma mala sem alça! O chatinho me olhou e foi correndo contar para a aeromoça que estavam ocupando o lugar dele, invés de educadamente pedir explicações a mim. Saquei tudo. Ia ser aquele voo!

A moça me interpelou, pediu meu bilhete e me informou que estava no assento errado. “Queira me acompanhar, senhora, mostro onde é sua poltrona...” . Fuzilei com o olhar o mala sem alça, mas ele devolveu com ar de vitória e sentou radiante na cadeira. Só faltou cantar o tema do Senna pra mim: Tã, tã, tã...tã, tã, tã... Peguei minha bolsa, o livro e um pacote de M&M e acompanhei a comissária até a minha numerada, que estava ocupada pela garotinha. Eu jamais pediria o assento a ela ou ao pai. Seria desumano tirar a menina da janela. Mas a comissária tirou, e o pai, meio contrariado (agora, por causa do mala, teria que viajar com o pai da menina me olhando de soslaio o tempo todo!), perguntou se eu não podia trocar com ela, pois a dela era no corredor. “Claro, sem problema!” – eu disse. Política da boa vizinhança! Tudo resolvido. Só faltava o avião decolar.

Acomodei-me, abri o livro e retomei minha leitura. Havia na aeronave um que dê impaciência, frenesi, inquietação. Os passageiros se revezavam em levantar e sentar, perambulando pelo corredor, falando alto, mudando malas de lugar, deixando o ambiente irrequieto e turbulento. Eu estava imóvel e se não fosse por alguns esbarrões na minha poltrona, estaria concentrada totalmente no livro. Se...

O passageiro ao meu lado era bonito. Alto, muito alto, diria que uns 195cm pra mais, atlético, cabelos curtos, fartos e louros, olhos verdes muito claros, rosto quadrado, com masséter proeminente, trajado com roupas esportivas, lembrando um tenista. Era americano, ou como diria meu irmão historiador, “...norte-americano, pois somos todos americanos, e aqui, somos sul-americanos, ...”, e levava sua filha de volta pra casa da mãe, em Porto Alegre, onde ficaria no carnaval. Trabalhava em São Paulo, mas nascera nos Estados Unidos (não precisaria dizer – seu sotaque, somado ao biótipo, revelavam ser gringo).

Pensei: a viagem será ótima. Um homem lindo ao meu lado, aparentemente inteligente, agradável - a todos os sentidos: olfato, audição, visão...bom, o tato, esse não testei! Não ousem pensar que, por não citar o paladar, entrou no rol - infelizmente não, mas que devia ser agradável em TODOS, ah...devia sim! Anyway...

Como nem tudo são rosas...

O Inferno, de Dante, começara. Experimentei estar no próprio limbo, entre o inferno e o paraíso...

A adorável criaturinha - a garotinha, com a impaciência característica da idade (devia ter cerca de 5 anos), cansada de olhar pela janela minúscula do avião, sem nada para fazer, sentada quieta, iniciou um rosário de pedidos para sair, negado veementemente pelo seu pai, em inglês: “No, baby...”, “...wait, please...”, e depois de vários "pleases", "babys" e "nos", como sempre fazem as crianças, venceu pelo cansaço. Se fosse minha filha...

Aquela menininha linda, de olhinhos claros, cabelos fininhos e loiríssimos, maçãs do rosto rosadas, com seu ursinho fofinho de pelúcia nos braços, ESTAVA ME DANDO NOS NERVOS!!!

Não conseguia mais ler uma palavra sequer do livro. E não havíamos alçado voo, ainda.

Ela ficava em pé na cadeira, pulava, choramingava, fazia manha, resmungava, com uma vozinha irritante e estridente, numa miscelânea de inglês e português, balançando as três poltronas ao pular, inflamando minha ira, ao ponto de amaldiçoar as crianças da face da terra, todas! Sentada, suando frio de cólera, teso de irritação, via o pai cada vez mais impaciente, até que resolveu levá-la ao banheiro.

Saí do limbo e cai no inferno!

Até pousarmos em Porto Alegre, num percurso aéreo de 275.487 horas – o tempo é relativo – essa menina saiu do lugar umas 347 vezes para ir ao banheiro.

Para tentar acalmá-la, eu abri o meu delicioso M&M e ofereci. Ela aceitou, segurou o saquinho, abriu a mochila rosa e guardou! Catso! Num provei nenhum!!

O pior estava por vir! Toda vez que ela resolvia ir ao banheiro, eu precisava levantar, num procedimento ritualístico: retira tudo que está sobre a bandeja, afasta, segura a bolsa, levanta e espera no corredor. Minha tolerância – sou muito – estava no saco, que não possuo!

Não contente em tumultuar o voo, ela, fechando com chave de ouro, na hora do pouso, nervosíssima com a dor de ouvido causada pela pressão, mobilizou quase a metade dos passageiros.

Fiquei penalizada...A aeromoça pedia para ela abrir a boca; outro passageiro, para ela fechar, apertar o nariz e fingir que ia assoar; outro, para ela virar a cabeça pra cima e tentar espirrar – o pobre do pai, sem saber o que fazer – e eu? Contando até dois milhões, pois o caos estava instalado. Uma comissária de bordo pedia aos passageiros para sentarem (a menina chorava e gritava tanto, que várias pessoas desataram o cinto e foram lá ver o que se passava), outra assistia a cena impassível e a mais próxima, debruçada sobre mim, em vão tentava acalmar a garotinha.

Tive um surto, quase psicótico! Livrei-me do cinto, passei a mão na menina, coloquei no meu colo, passei o cinto em nós, tapei o nariz dela (dois coelhos: o choro e o grito estancados – chamado em odontologia de Técnica do Roxinho, entenderam?) e pedi para tentar assoar, bem forte, com voz de comando, autoritária e confiante. Pronto. Ela forçava, parou de gritar e chorar e a ordem foi restabelecida no voo para Porto Alegre.

O pai, incrédulo na minha atitude, me agradeceu quando abriram as portas e ainda me ajudou a buscar minha mala na esteira. Eu só queria sair dali. Estava com um zumbido no meu cérebro, parecido com aqueles que eu tinha, quando ficava ao lado das caixas de som, nos shows de rock do demolido Clube Caiçara, por ouvir os gritinhos dela...

Essa viagem daria o que falar...

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Só comigo...I

Dia desses, atendendo um paciente, a secretária bateu na porta da minha sala, pediu licens e disse:
- Doutora, a Katherine no telefone. Disse que quer falar com a senhora...- se eximindo, com a sobrancelha arqueada e expressão de "eu disse que a senhora não podia atender, mas..."
Bom, primeiro ela sabe que, quando estou atendendo, é quase impossível, visto minha profissão - dentista -, atender o telefone.
Ambas sabem, pois Katherine é minha filha mais velha. O combinado, sempre, é: deixe recado que eu retorno "assim que possível".
Mesmo assim, removi as luvas, achando ser algo sério - como um incêndio no edifício em que resido - e lá fui eu, atender o telefone...
- Alô - com voz de desagrado.
- Mãe?...
- Fala, filha...
- Mãe...então, mãe...tipo assim... uma mulher ligou aqui e disse que ia chamar a polícia!!! - num tom desesperada...
- Chamar por quê? O que vocês fizeram? - entre dentes, sussurrando, pausadamente.
- Nada, mãe...eu, hein!...tipo, a mulher ligou, e perguntou se..tipo..., tinha algum adulto aqui e...tipo..., eu falei que não...daí, tipo, ela disse que se a gente não parasse de andar pelada...tipo...ela ia ter que chamar a polícia pra gente!!
- Katherine!! Não acredito que você ligou aqui, sabendo que eu só atendo se for uma emergência, e eu achando que era, pra me dizer isso? Em casa, quando eu chegar, nós conversamos....tchau!!
- Mas, mãe...
- Tchau, filha!
- Tá...tchau, mãe... - visivelmente contrariada.
Voltei à minha atividade e a tarde transcorreu sem maiores problemas.
Passado uns dias, chego em casa a noite, após um longuíssimo dia de atendimento e me deparo com uma correspondência do Conselho Tutelar. Meu queixo caiu. Sou separada, em circunstâncias, digamos, nada amistosas, e a primeira pessoa que veio a minha mente foi o falecido! Logo pensei: aquele pulha, depois de tantos anos, vai voltar a me encher os pacovas! Oh, Lord! Dai-me paciência....
A audiência - será que posso chamá-la assim? - era daqui a dois dias. Nesse período, o inconformismo me corroeu.
Desmarquei os pacientes e fui, na data oportuna, à entrevista (também não sei se é chamada assim...). Foi um estresse só!! Gritei com as meninas, com o defunto, com o transeunte, com o semáforo, com a vaga apertada defronte ao conselho...Praticamente uma TPM antecipada.
Bom, entrei, esperei minutos intermináveis, até ser atendida pela funcionária, atrás de uma parede, sentada em um banco, com um vidro minúsculo nos separando, tais quais as bilheterias de estádios de futebol. Imaginei a razão. Quantos pais e mães, na fúria em que me encontrava, não deviam ter voado no pescoço - largo, diga-se de passagem - da funcionária. Ao menos terem a vontade de esganá-la, meu caso naquele momento.
Estava agendado para as 13 horas - se tenho um TOC, desses obsessivocompulssivíssimo, é com horário. Se eu chegar atrasada em qualquer compromisso, pode clamar pelo resgate pois algo de ruim aconteceu.
Já passava das 15 horas. Nada. Necadepitibiribas de atendimento, entrevista ou audiência. Subia o sangue, junto com os ponteiros do relógio e da minha paciência...
17h30. Hora em que fui convidada a entrar na sala da conselheira. Indignação era meu nome! Por tudo. Como eu podia ter sido denunciada ao Conselho Tutelar, órgão que apura casos de abusos, violências? Eu? Qual seria o motivo? Minha casa é tranquila, não tem gritaria, festas de arromba, nada, nada que me levasse àquele lugar. Não espanco minhas filhas, não abuso fisicamente e muito menos psicologicamente. Na realidade, o ser vivo na minha casa que mais escuta bronca é meu york, machinho minúsculo - não pesa dois quilos - que insiste em marcar território por todos os cantinho possíveis, da casa toda.
Não informavam por telefone o motivo, o assunto, de modos que devia mesmo ir até lá. Martelei aqueles dias todos o que poderia ser, que houvesse levado o acéfalo do meu ex, pai das meninas, a tamanha maldade. É, só podia ser ele. Aliás, naquele momento, se chovesse ou um passarinho defecasse na minha cabeça, a culpa seria dele!!
Entrei. O recinto era úmido, sujo, com uma larga janela e havia duas mesas, nas quais estavam sentados nas cadeiras giratórias antigas, rasgadas e desbotadas, um homem e uma mulher - obviamente cada um em sua mesa. Olhei para eles. O suor, de constrangimento, fazia um bigodinho no meu rosto...
A mulher pediu-me para sentar. Declinei, dizendo que estava sentada desde as 13 horas - para ela saber que eu cheguei na hora marcada!
- Boa tarde. - ela saudou.
- Boa tarde - respondi polidamente.
- É a senhora Raquel? Nessa hora eu me vi passando por cima da mesa e apertando o pescoço da mulher, mas era só um pensamento, um devaneio...
- Isso - respondi secamente.
- Recebemos uma denúncia anônima e...- a interrompi.
- Anônima?! A- nô-ni-ma?! Como assim, anônima? Quem faz denúncia anônima?? Estava estupefata!!
- Sim, senhora. A maioria das nossas denúncias é anônima. Pois bem. O teor da denúncia é... - nova interrupção. Desta vez estava sentada. Não acreditava que eu havia sido denunciada e mais ainda: anonimamente! Quem seria o FDP que fez aquilo, hein?
- Sim, qual é o teor? O que diz aí...mas não dá MESMO pra saber quem é? Não tá escrito aí, num cantinho? Independente disso, foi o pai delas! Claro que foi! Quem mais podia ser? Ele vive pra me aborrecer! É assim desde que pedi pela separação, porque... - agora fui interrompida.
- Senhora, o teor é sério. Diz aqui que a casa onde moram as menores, suas filhas, é uma casa de libertinagem. Onde há comportamento libertino...vivem exibindo, nuas, através de janelas abertas, o corpo aos vizinhos...
Fiquei muda. Passado o choque, desandei a rir.
- A senhora só pode estar brincando comigo! É uma pegadinha! Tem câmeras nesta sala, né? Anda sorrindo, aliviada.
- De jeito maneira. Leia aqui. - apontou com o dedo longo, unha manicurada, a linha onde estava o parágrafo que dizia "...se exibem, diariamente, sem roupa nenhuma, nuas, na janela envidraçada, a mulher e as meninas...", "...comportamento imoral e libertino..." e por aí ia!
O riso foi dando lugar a uma expressão de raiva, de indignação, por ter perdido uma tarde de trabalho e duas noites de sono, e remorso por acusar injustamente o putrefato ex-marido, para escutar a conselheira dizer que não poderíamos andar sem roupa, peladas, calcinha e sutiã, calcinha e nada em cima, biquini, e toda e qualquer forma de aplacar o calor que faz nesse país, DENTRO DA MINHA PRÓPRIA CASA, pois havia um vizinho bisbilhotando, sordidamente, sorrateiramente, quem sabe até usando binóculo - vigiando é o termo mais correto - e que se sentiu ultrajado, ferido no seu direito de sei lá o que, ao ver moradores sem roupa, dentro de suas respectivas casas! Um absurdo. Só usando um palavreado chulo, mas pertinente a essa situação, que expressa o que passa pela cabeça quando acontece um troço desses: é de foder! Mas não é mesmo?! Só falando assim! Um cidadão olha através da janela dele, pra dentro da sua casa - vou repetir - dentro da sua casa, e quer que estejamos todos com roupa, ou talvez até sentados, jantando...ou assistindo TV...ah...pode até ser que se sinta ofendido se não estiver no canal que ele gosta! É brincadeira, né?
Enfim, eu, irritadíssima, disse à conselheira o seguinte:
- Estou separada há 3 anos. Tenho um namorado há ano e meio, que NUNCA dormiu na minha casa e sequer saiu após a meia-noite, nas 4 ou 5 vezes em que lá esteve. O que mais prezo é a liberdade das meninas, sendo assim, vou ignorar essa denúncia absurda e ir pra minha casa.
A conselheira, como parte de sua função, aconselhou-me a não andar mais sem roupa e muito menos as meninas, porque em caso de uma nova denúncia, seria enviado um agente até a casa, para averiguar se era de fato sem moral.
Saí de lá soltando fogo pelas ventas e, devido a construção do meu prédio, a janela da sala era a única que podia ser vista por outro apartamento, estava decidida a descobrir o autor anônimo da denúncia.
Fiz um pitizinho no prédio ao lado do meu, descontando minha ira e revolta no pobre do zelador, certa de haver flagrado o autor de tal desfaçatez.
As meninas, que me acompanhavam o tempo inteiro, não davam pio e por diversas vezes quase tropecei nelas.
Entrei em meu home. Era por volta das 19 horas. Parei em frente à janela. Mandei as meninas para o quarto. Olhei, triunfante, para o apartamento de quem eu achava ser a bisbilhoteira, futriqueira. Tava certa de que era uma mulher.
Tirei a blusa, depois o sapato, a calça e quando ia tirar o soutien, a luz de um outro apartamento, em outro prédio, repentinamente apagou e segundos após, meu telefone tocou.
- Alô! - disse rispidamente.
- Já vai começar seu showzinho? Falou uma voz feminina, adulta, rouca, notadamente mais velha que eu.
- Não, querida! Agora é o ensaio! O show, só depois das 20 horas! - respondi sarcasticamente, jocosamente.
Imaginam a conversa? Voou pena pra tudo que é lado. Foi um tal de "toma lá...", "vai se...", "sabe com quem está falando?", "você não me conhece...", "não imagina do que sou capaz!..", "tenho filho e marido...", "vai pra academia...", "vai trabalhar...", "arruma o que fazer da vida...", "procura o número do Pitanguy.." e etc.
A discussão só terminou quando eu disse que tinha identificador de chamada e que iria denunciar o marido dela e o filho, na polícia, por ficarem na sacada, se masturbando (essa foi a recomendação do meu namorado na época, advogado, caso voltassem a ligar). Se a intenção era que a maluca parasse, deu certo a ameaça.
Agora andamos dentro de nossa própria casa, como sempre fizemos: sem preocupação se há uma maluca gorda e frustrada a vigiar meu apartamento!


É isso. Tenho mais causos, como gosto de alcunhá-los, que só comigo acontecem, rsrs, e postarei assim que possível.

Beijinhos a todos.
;D

sábado, 20 de junho de 2009

Novata...

Como vários por aqui, resolvi criar meu blog.
Assim como vários e várias, vou me apresentar.
Meu nome é Raquel. Tenho 38 anos, recém completados no último dia 13, dia do santo casamenteiro. Acreditem, isso não me favoreceu em nada!
Sou mãe. Tenho duas filhas, adoráveis, com 11 e 18 anos.
Dentista por profissão e artista por alma, completando meu desejo de criar diariamente e de quebra, devolver saúde. Separada e solteira, vivendo com minhas filhas e dois cães, casal de york, em um apartamento.
Talvez coloque aqui só impressões que vagueiam minha alma. Talvez acontecimentos corriqueiros. Sei que vez ou outra virá um desabafo, mas a intenção mesmo, verdadeira, era deixar registrado passagens, não necessariamente minhas, para que lá na frente possa reler - como um bom livro - e rir ou chorar novamente, não importa, mas me emocionar...