sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Carnaval em Praia Grande - SC (parte I)

Fiz uma das melhores viagens da minha vida em um feriado de carnaval.


A irmã de uma amiga me convidou para passar o feriado com ela, três ou quatro dias antes da sexta-feira de carnaval, em Porto Alegre, no lugar da minha amiga, que não poderia ir. Passagens aéreas pagas, alguém precisava fazer esse sacrifício! Avante ao altar!! Aceitei imediatamente, afinal, estava solteira recentemente e precisando dar uma escapada: seria ótima a companhia de pessoas que não sabiam nada da minha vida e não teceriam comentários sobre a separação.

Aceito o convite, malas deveriam ser feitas e filhas esparramadas. Só havia um detalhe – não queria que meu pai soubesse. Sabem como é pai...estive junto com um homem por 19 anos e como é do conhecimento geral, o casamento não terminou do modo convencional (existe modo convencional?), então, papai estava sempre preocupado comigo e as netas. Ele não receberia bem a notícia de uma viagem assim, de última hora, para longe. De qualquer modo, decidi. Não iria contar. Quando ele me liga, nunca pergunta onde estou, só se está tudo bem, assim não haveria mentira, se me limitasse a responder as perguntas. A mente ludibriando o coração...

Correndo contra o relógio, consegui fazer a mala na quinta à noite, pois deveria estar no aeroporto na sexta, no começa da tarde. Arrumando a mala: roupas íntimas; camisola; pijama; shorts, camiseta; blusas; calças; sapatos, baixos e altos; chinelo; biquíni (vai saber, né?); sandálias e sapatos para baladas, assim como roupitchas fashion e bolsas; badulaques; perfumes; desodorantes; escovas, cabelo e dentes e tudo de uso pessoal e intransferível (algumas pessoas ainda insistem que sejam de uso coletivo, argh!). Engraçado! A irmã da minha amiga me ligou hoje e pediu para colocar uma calça confortável e um tênis... Bom, vamos lá: ponhamos tênis e calça confortável. Fecha zíper. Será que falta algo? Azar....o tempo é curto!

Minha amiga, que não poderia viajar, me levou até São Paulo, para Congonhas. Era o ano de caos nos aeroportos, com atrasos e gente pra tudo que é lado no saguão, irritadas, sonolentas, famintas. O ano da pérola da Marta Suplicy: “relaxa e goza”! Afe!!

Despedimo-nos na porta, com muitos beijinhos e abraços, além do famoso clichê “...divirta-se e descanse, vai ser bom pra você!”.

Fiz o check-in com certa antecedência, em contrapartida com a bagunça generalizada dos cancelamentos, pois tenho uma relação doentia com relógio e seus ponteiros.

Comprei um livro excelente – mas paguei os olhos da cara lá dentro – e sentei no chão. Era pisada vez ou outra, na muvuca de gente que transitava no saguão. Esperava pacientemente.

O celular tocou, fui atender, e ao ver o nome no visor, faltou sangue em toda a periferia do meu corpo, ficando lívida e gelada: Lang. Céus! Meu pai nunca liga essa hora! A voz, saindo da caixa do alto-falante nas paredes do aeroporto, não parava! “- Tuuuuu...tuuuuuu! Atenção, senhores passageiros! O voo 386, com destino a Manaus foi cancelado.” , “Tuuuu...tuuuu... atenção, senhores passageiros. O voo 1348, com destino a Santa Catarina, foi cancelado.”, “Tuuu...tuuuu...Atenção...” Catso! Tinha que atender, pois o deixaria preocupado! Esperei a voz calar-se (como rezei!) por instantes e atendi.

- Oi. Tudo bem?

- Oi, pai, tudo bem sim e com vocês? Voz pra dentro, engolindo em seco.

- Tudo bem e as meninas?

- Estão ótimas. – voz sumindo...

- Vai subir no carnaval ou vai rasgar a fantasia por aí? Risos.

- Não vou subir, não, pai. – eu rogo aos céus! Que acabe a bateria do celular! Que caia o sinal! Um milagre, alguém, por favor, um milagre!!! Mutleeeeeey!! Faça alguma coisa!!

- Raquel, tá ruim a ligação, eu não tô em São Paulo, tô longe, não te escuto bem...depois eu ligo. Manda beijos para as meninas. – suspiro, aliviada: Oh, Deus..obrigada, obrigada...!!

- Tá, pai. Mando sim. Dê beijos na mamãe e em todos aí.

- Eu dou. Tchau.

-Tchau, pai.

- Beijo.

-Beijos... – voz sumiu...

Água! Água! Minha língua grudava no meu palato. Diazepan, 2500mg! Cachaça, dupla! Rápido!

Ainda bem que ele não perguntou nada!

Primeira prova de fogo! Passei incólume!

O voo foi anunciado, com atraso. Fui para a fila, entrei no avião. Olhei minha poltrona e tinha uma menina, ocupando o meu lugar. Fui sentar em outro. Claro que, com tanto assento no avião, escolhi justamente o lugar de uma mala sem alça! O chatinho me olhou e foi correndo contar para a aeromoça que estavam ocupando o lugar dele, invés de educadamente pedir explicações a mim. Saquei tudo. Ia ser aquele voo!

A moça me interpelou, pediu meu bilhete e me informou que estava no assento errado. “Queira me acompanhar, senhora, mostro onde é sua poltrona...” . Fuzilei com o olhar o mala sem alça, mas ele devolveu com ar de vitória e sentou radiante na cadeira. Só faltou cantar o tema do Senna pra mim: Tã, tã, tã...tã, tã, tã... Peguei minha bolsa, o livro e um pacote de M&M e acompanhei a comissária até a minha numerada, que estava ocupada pela garotinha. Eu jamais pediria o assento a ela ou ao pai. Seria desumano tirar a menina da janela. Mas a comissária tirou, e o pai, meio contrariado (agora, por causa do mala, teria que viajar com o pai da menina me olhando de soslaio o tempo todo!), perguntou se eu não podia trocar com ela, pois a dela era no corredor. “Claro, sem problema!” – eu disse. Política da boa vizinhança! Tudo resolvido. Só faltava o avião decolar.

Acomodei-me, abri o livro e retomei minha leitura. Havia na aeronave um que dê impaciência, frenesi, inquietação. Os passageiros se revezavam em levantar e sentar, perambulando pelo corredor, falando alto, mudando malas de lugar, deixando o ambiente irrequieto e turbulento. Eu estava imóvel e se não fosse por alguns esbarrões na minha poltrona, estaria concentrada totalmente no livro. Se...

O passageiro ao meu lado era bonito. Alto, muito alto, diria que uns 195cm pra mais, atlético, cabelos curtos, fartos e louros, olhos verdes muito claros, rosto quadrado, com masséter proeminente, trajado com roupas esportivas, lembrando um tenista. Era americano, ou como diria meu irmão historiador, “...norte-americano, pois somos todos americanos, e aqui, somos sul-americanos, ...”, e levava sua filha de volta pra casa da mãe, em Porto Alegre, onde ficaria no carnaval. Trabalhava em São Paulo, mas nascera nos Estados Unidos (não precisaria dizer – seu sotaque, somado ao biótipo, revelavam ser gringo).

Pensei: a viagem será ótima. Um homem lindo ao meu lado, aparentemente inteligente, agradável - a todos os sentidos: olfato, audição, visão...bom, o tato, esse não testei! Não ousem pensar que, por não citar o paladar, entrou no rol - infelizmente não, mas que devia ser agradável em TODOS, ah...devia sim! Anyway...

Como nem tudo são rosas...

O Inferno, de Dante, começara. Experimentei estar no próprio limbo, entre o inferno e o paraíso...

A adorável criaturinha - a garotinha, com a impaciência característica da idade (devia ter cerca de 5 anos), cansada de olhar pela janela minúscula do avião, sem nada para fazer, sentada quieta, iniciou um rosário de pedidos para sair, negado veementemente pelo seu pai, em inglês: “No, baby...”, “...wait, please...”, e depois de vários "pleases", "babys" e "nos", como sempre fazem as crianças, venceu pelo cansaço. Se fosse minha filha...

Aquela menininha linda, de olhinhos claros, cabelos fininhos e loiríssimos, maçãs do rosto rosadas, com seu ursinho fofinho de pelúcia nos braços, ESTAVA ME DANDO NOS NERVOS!!!

Não conseguia mais ler uma palavra sequer do livro. E não havíamos alçado voo, ainda.

Ela ficava em pé na cadeira, pulava, choramingava, fazia manha, resmungava, com uma vozinha irritante e estridente, numa miscelânea de inglês e português, balançando as três poltronas ao pular, inflamando minha ira, ao ponto de amaldiçoar as crianças da face da terra, todas! Sentada, suando frio de cólera, teso de irritação, via o pai cada vez mais impaciente, até que resolveu levá-la ao banheiro.

Saí do limbo e cai no inferno!

Até pousarmos em Porto Alegre, num percurso aéreo de 275.487 horas – o tempo é relativo – essa menina saiu do lugar umas 347 vezes para ir ao banheiro.

Para tentar acalmá-la, eu abri o meu delicioso M&M e ofereci. Ela aceitou, segurou o saquinho, abriu a mochila rosa e guardou! Catso! Num provei nenhum!!

O pior estava por vir! Toda vez que ela resolvia ir ao banheiro, eu precisava levantar, num procedimento ritualístico: retira tudo que está sobre a bandeja, afasta, segura a bolsa, levanta e espera no corredor. Minha tolerância – sou muito – estava no saco, que não possuo!

Não contente em tumultuar o voo, ela, fechando com chave de ouro, na hora do pouso, nervosíssima com a dor de ouvido causada pela pressão, mobilizou quase a metade dos passageiros.

Fiquei penalizada...A aeromoça pedia para ela abrir a boca; outro passageiro, para ela fechar, apertar o nariz e fingir que ia assoar; outro, para ela virar a cabeça pra cima e tentar espirrar – o pobre do pai, sem saber o que fazer – e eu? Contando até dois milhões, pois o caos estava instalado. Uma comissária de bordo pedia aos passageiros para sentarem (a menina chorava e gritava tanto, que várias pessoas desataram o cinto e foram lá ver o que se passava), outra assistia a cena impassível e a mais próxima, debruçada sobre mim, em vão tentava acalmar a garotinha.

Tive um surto, quase psicótico! Livrei-me do cinto, passei a mão na menina, coloquei no meu colo, passei o cinto em nós, tapei o nariz dela (dois coelhos: o choro e o grito estancados – chamado em odontologia de Técnica do Roxinho, entenderam?) e pedi para tentar assoar, bem forte, com voz de comando, autoritária e confiante. Pronto. Ela forçava, parou de gritar e chorar e a ordem foi restabelecida no voo para Porto Alegre.

O pai, incrédulo na minha atitude, me agradeceu quando abriram as portas e ainda me ajudou a buscar minha mala na esteira. Eu só queria sair dali. Estava com um zumbido no meu cérebro, parecido com aqueles que eu tinha, quando ficava ao lado das caixas de som, nos shows de rock do demolido Clube Caiçara, por ouvir os gritinhos dela...

Essa viagem daria o que falar...

Um comentário:

  1. Raca realmente com conhecia essa sua "veia literária"... uma mistura de comédia trágica com realidade...rsssss...
    To doida pra saber o final dessa odisséia..rssss
    Bju Amiga
    Tutty

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