Ontem fui assaltada. Com minha bolsa foi minha vida.
Só as mulheres hão de entender a expressão “vida”, quando nos referimos às bolsas e seu conteúdo, pois os homens jamais serão capazes dessa façanha. E não ousaria pedir que o fossem...são demasiadamente limitados para essa sutileza da alma feminina.
Carregamos lembranças, além dos documentos: o batom francês que a paciente trouxe de presente, o perfume que a amiga disse ser divino, as mensagens salvas no celular de pessoas importantes, os bilhetes recebidos de amigos, bombom de admirador, carteirinha de clube de quando criança, bilhetes dos filhos, cartão de visita de amigos, médicos, advogados, inclusive do pessoal que retira seu lixo todo dia, fotos dos filhos, de várias épocas, para mostrar aos amigos e receber elogios do quanto são bonitos e parecem com você, chaveiro que ganhou como lembrança de uma viagem da amiga à Europa, prendedores de cabelos comprados em uma cidadezinha pitoresca, que te remota a tudo que passou lá, comprimidos que te salvam em momentos únicos e que precisará de uma nova consulta para nova prescrição, escova de dente que sua filha escolheu a cor do cabo, o espelho que emprestou para a amiga se ajeitar no dia em que conheceu um gato, a fita métrica usada para medir seu quadril naqueles dias e constatar que é uma obesa mesmo, enfim, levam sua vida pois cada pequeno objeto lá dentro, apesar de parecer inútil, tem uma história. Cada vez que ia abrir a porta de casa, olhava o chaveiro e lembrava de quem me presenteara e, não raro, ligava para saber como ia indo. Em ocasiões em que precisava mostrar o RG, vinha à mente a razão de ele ter uma foto colada por mim e plastificada com contact, quando precisei abrir a primeira conta bancária, após ele ter sido lavado e centrifugado, pois ainda era menina que não usava bolsa – nesse momento a mente voava para um passado quase longínquo, onde a responsabilidade era só estudar.
Havia muita recordação naquela bolsa.
É por esse e outros motivos que o sentimento de raiva e rancor perdura até hoje e acho que não passará por um bom tempo.
Além de perder a minha vida, fiquei toda marcada nos braços ao reagir ao assalto e, num ato desesperado, disputar a “guarda” da minha bolsa linda, de couro marrom, enorme e chiquérrima. Com um instrumento de ferro pontiagudo, me golpeou e arranhou meus braços, puxando meus longos cabelos e tentando golpear minha boca. Perdi a batalha e a guerra. Saí marcada, derrotada, humilhada e arrasada moralmente. Percorri as ruas no entorno, com policiais atenciosos, dentro do camburão, para em vã tentativa, achar ao menos os documentos jogados no asfalto. Mas queria mesmo era tudo de volta. Não pelos valores financeiros, mas pelos sentimentais. Amava abrir a bolsa e vasculhar carteiras e bolsinhas, recordando as ocasiões onde foram adquiridas ou recebidas como presentes. O momento dos objetos nunca mais voltará. Os documentos serão novos, com fotos recentes e, ao olhá-los, só recordarei o motivo pelo qual precisei tê-los: o dia em que um drogado, melanoderma e magricela me agrediu.
Não esperava ter esse tipo de recordação com coisas que levarei na bolsa. E mesmo que compre bolsa nova, nécessaire, batons, rimeis e tudo que mais havia lá, será sempre impessoal e a única história que contarão é do assalto.
=[
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Putz! Fita métrica na bolsa. Por "acaso" não é uma trena, aquele negócio que os topógrafos usam para medir terrenos, né?
ResponderExcluirPutz! Não sabe a diferença entre trena e fita métrica?! Tsc, tsc, tsc...
ResponderExcluirAdoro ler suas crônicas Raquel!Cada parágrafo é composto de muita clareza, e absoluta harmonia. Este foi um episódio revoltante, meus sentimentos por esta perda! Com carinho...
ResponderExcluirObrigada, anônimo. É bom saber que, ainda anonimamente, existem pessoas com empatia... =]
ResponderExcluireu nada anonima sinto sua perda. Jah roubaram a minha no Guaruja anos atras, quando eu voltava para Sp de um final de semana . E foi tudo embora, como vc. Tudo...... o ladrao me ligou, fui com investigadores buscar a bolsa de volta dias depois........uma aventura que hoje nao repetiria. Minhas lembrancas se foram, como as suas. Torturante, revoltante e injusto. beijos, Karin
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