domingo, 9 de outubro de 2011

Que vejo flores em você!


Estou sem postar aqui por mais de 1 ano. Andei sem vontade, desanimada. Não posto, mas escrevo, e muito. Tô voltando hoje e conforme o tempo for aparecendo – e a vontade crescendo – vou colocando aqui o que vem acontecendo comigo e talvez no mundo, minhas percepções das verdades ditas por aí.

Vou começar com o assunto Gisele e o comercial da Hope, e o tal de sexismo e exploração da imagem da mulher sempre pejorativo, mesmo que esteja esgotado, mas não no sentido de apontar o quanto a maioria dos homens, notadamente, são sexistas, pois isso todos sabemos. Quero reclamar o quanto nós, mulheres, temos culpa neste cartório – de educar os homens para serem sexistas e machistas. Sou, orgulhosamente e notoriamente, feminista desde pequena, visto o ambiente masculinizado em que cresci. Lá, os meninos podiam tudo e eu, quase nada. Almoços de domingo, longos e cheios de louça, era sinal claro das diferenças em nossas educações: meninos não lavam louça. Meninas sim. Meninos não limpam fogão. Meninas sim. Meninos não passam pano no chão. Meninas sim. Acho que o medo de que, se eles tivessem esse tipo de tarefa, os deixasse menos homem, sobrepujava a justiça que deveria imperar sobre divisão de tarefas a serem realizadas por nós – ou talvez fosse mesmo só cultural – minha mãe aprendeu com a mãe que aprendeu com a mãe e assim ficou estabelecido, pois lá na era dos primeiros homens, as tarefas foram definidas por diferenças físicas (alguém duvida que os homens eram e são mais fortes, muscularmente falando?) Justificável para aquele tempo, onde a mulher paria sem parar, tinha a prole enorme e precisava ficar de olho nas crias, enquanto o parceiro ia à caça, para subsistência do grupo. Então, era uma época primitiva.
Sigo, estarrecida e chocada, amigas próximas educando seus filhos neste mesmo padrão de “machismo”. Não usa rosa ou qualquer cor que lembre menina; se a menina peida na mesa, é repreendida veementemente, se acontece com um menino, a bronca é seguida de risos e incentivos, geralmente pela ala masculina, para arrotar também. Meninos pequenos são incentivados a passar a mão nas amigas da irmã mais velha ou da mãe, seguido por risadas e frases como “esse aí vai ser garanhão”, mas se uma menina pequena é flagrada, por curiosidade, mexendo nas partes íntimas de um menino, é surrada. São esses comportamentos sexistas que acabam gerando esse desrespeito com a mulher, ao ponto de, esta semana, centenas delas saírem às ruas, brasileiras em Portugal, para protestar e pedir que as autoridades façam algo para coibir a mídia que as expõe pejorativamente, como se mercadoria fossem. Esses comportamentos na nossa infância e que parecem inocentes, geram os preconceitos de hoje, contra mulheres, homossexuais, pessoas com necessidades especiais etc.
Está nas mãos das mulheres, que geram e educam e criam, modificar este pensamento e deixar homens (e mulheres) mais respeitadores, mais educados, mais elegantes neste mundo. Não há problema nenhum em dizer aos meninos, desde pequenos, que eles não podem bater em ninguém, que dirá nos menores e nas meninas. Para corroborar este meu pensamento, exemplifico com uma história que escutei recentemente de um amigo. Disse-me que seu pai, homem educado e elegante, era capaz de ficar muito tempo em pé no restaurante, mesmo com mesas vazias, só para esperar uma em que pudesse colocar sua mãe e irmã de frente para a porta de entrada, visto as mulheres que eram colocadas com as costas para a entrada era porque, geralmente, o acompanhante queria esconder, assim, quem entrava não poderia reconhecê-las. É antiquado, mas nota-se, nos detalhes, o tipo de educação que este meu amigo recebeu, onde a mulher não só era tratada como ser humano, mas valorizada na sua importância social.
É isso. Meu pitaco está dado. Pena que Ele não me presenteou com meninos.
Mulherada, está em nossas mãos essa revolução no comportamento do ser humano. Se conseguíssemos deixar pessoas mais educadas, elegantes, sinceras, neste mundo, não teríamos guerras, fome e muitas das mazelas que aí estão. Imagina uma legião de homens que abrem as portas dos carros, dos restaurantes, que mandam flores sem data especial, que não agride, verbal ou fisicamente, que enfim, trata a todos, não só mulheres, com respeito, elegância, educação, civilidade, delicadeza e cortesia.   Ah...como é bom sonhar!

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Insensível

Ano passado, antes do acidente com meu irmão, costumava tomar meus cafés pela manhã, religiosamente, em uma casinha de café perto do meu consultório, pois não tinha mais companhia matutina (minha filha passou a beber um iogurte ou um achocolatado, correndo, enquanto ainda colocava o uniforme).
Pela assiduidade, passei a cumprimentar algumas pessoas, habitués do local, primeiramente com um aceno de cabeça, que evoluiu para verbal e depois, naturalmente, as conversas corriqueiras aconteceram. Destas pessoas, um senhor, com voz de locutor de rádio, era quem mais puxava assunto.
Trocamos informações sobre nossas profissões e fiquei deslumbrada pela vida deste homem – nunca procurei saber se era verdade – pois dos altos de seus quase 70 anos, havia feito de tudo um pouco e casado, segundo ele, com mulheres lindíssimas, misses e modelos. Viagens a países exóticos, festas faraônicas, além de amigos influentes e famosos, povoavam seu mundo. Narrava sua vida com tanta riqueza de detalhes que cheguei a ficar com certa inveja por ter passado pela minha sem essas aventuras todas. Poderia ter virado um filme de aventura, romance, discórdia e superação, com direito a seqüências quase infinitas, ou livros, ou seriados. Deve ter sido um homem bonito, pois é alto e olhos azulados, pele morena e cabelos escuros, não totalmente brancos, e ainda conserva o ar de homem elegante e educado. Sua voz de trovão deve ter arrasado corações, assim como os poemas declamados entre pausas nas conversas, demonstrando ser um galanteador e romântico.
Um dia pediu o telefone do consultório e entreguei um cartão, onde constava inclusive o número do meu celular.
Ligava vez em quando e, sempre educado, conversávamos sobre assuntos fascinantes e variados (tenho verdadeira paixão por amizades que me excitam intelectualmente e procuro fomentá-las), por minutos que cresciam ao longo dos dias.
Até que os elogios sobre minha aparência e “inteligência” começaram a extrapolar a esfera da amizade. Passou a ser inconveniente com suas ligações repetidas, a qualquer hora do dia ou da noite. Aparecia no consultório, com a desculpa de que eu trabalhava muito, para me levar em um restaurante assim ou assado, e beber este ou aquele vinho. Mesmo que eu atendesse ao telefone e falasse claramente para ele não ligar, ele não respeitava. Deixava recado na caixa postal com poemas e canções. Parti para freqüentar o café em outros horários (diziam que ele sempre perguntava por mim e, como era de seu vezo assediar mulheres mais novas e elas serem receptivas, segundo as más-línguas, pela situação financeira folgada, ficou inconformado que suas investidas dizendo o que tinha e tem, não surtiram efeito comigo). Exasperei-me com ele. Veio o acidente com meu irmão e a oportunidade para ignorar suas ligações, já que falar não adiantava.
Não freqüentei mais o café, mais por ficar mais fora da cidade que nela, na época do acidente, e hoje, ao entrar para tomar um cafezinho pós-almoço, reencontrei-o. Confesso que fiquei chocada. Ele passou por problemas de saúde e aparentava ter muito mais que sua idade. Faltavam dentes em sua boca, sua voz tremulava, mancava de uma perna e estava bem acima do peso. Nestes tempos que não o vi, gravou um cd com músicas próprias, e em um de seus primeiros shows, caiu do palco, quebrou o fêmur e teve um AVC durante a cirurgia. Disse que estava voltando aos poucos, tentando se recuperar da melhor forma possível, mas percebe-se que a idade estava pesando e muito.
Meu maior constrangimento foi quando, depois de perguntar como meu irmão estava e bendizer a recuperação dele, dizer que vai me presentear com o cd, para prestar atenção em uma canção específica, pois escreveu pensando em mim. Fiquei com remorso porque, apesar de já ter sido musa inspiradora de outra canção – nenhum sucesso nacional, diga-se, mas faz muito bem pro ego saber que é fonte de inspiração de poetas e músicos – a exasperação com que respondia suas perguntas hoje, a total irritação na minha voz e todo o conjunto de negação na minha linguagem corporal, não condiziam com o carinho que desprendeu dele, de seu olhar e sua voz titubeante. Não precisava ter sido grosseira e sempre que tenha esse tipo de reação, gratuita, me incomoda. Deixei-o triste. Estou sempre pregando a filosofia do “paz e amor” mas na hora em que vislumbrei iniciar todo aquele assédio novamente, fui intolerante e pré-julgadora, já que ele estava em companhia de uma mulher jovem, de uma insensibilidade fenomenal e injustificada.
Hoje, mais uma vez dormirei mal, sabendo que, neste mundo já tão grosseiro e sem educação, contribuí para que a tarde deste senhor, maltratado pelo tempo e com pouca saúde, ficasse um pouco pior...