Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealisa.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração que na realidade
está um pouco usado, meio calejado, muito machucado
e que teima em alimentar sonhos, e cultivar ilusões.
Um pouco inconsequente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado,
coração que acha que Tim Maia estava certo
quando escreveu... "não quero dinheiro,
eu quero amor, sincero, é isso que eu espero..."
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece,
e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida que vive procurando relações
e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração que insiste
em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado. Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional que,
abre sorrisos tão largos que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado,
indicado apenas para quem quer viver intensamente e,
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo, defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração tão inocente
que se mostra sem armaduras e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando para de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir", eu fiz tudo certo,
só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não enducerecer e, se recusa a envelhecer.
Rifa-se um coração, ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconsequente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que,
ainda não foi adotado, provavelmente,
por se recusar a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos que,
mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar, mas vez por outra,
constrange o corpo que o domina.
Um velho coração que convence seu usuário
a publicar seus segredos e, a ter a petulância
de se aventurar como poeta.
Clarice Lispector
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
segunda-feira, 16 de novembro de 2009
Bubi, O Cara!
Temos momentos tristes e momentos felizes. Já fui questionada, em um curso estilo auto-ajuda (se houve um dinheirão gasto à toa foi com esse curso - não recomendo), a falar sobre eles. Fiquei deveras feliz ao ver quantas pessoas urravam ao chorar, por guardar mágoa e ressentimentos, principalmente dos pais, e eu ali, estarrecida com a quantidade de pessoas nesta situação, sem conseguir lembrar um dia sequer. Na ocasião, o único falecimento – um momento muito triste em nossas vidas – havia sido da minha bisavó, em 1990, ano em que não havia comunicação instantânea, portanto, fomos avisados em hora tardia, em férias e fora da cidade. Resumo: não comparecemos. Foi uma passagem indolor. Quando voltamos, ela não estava mais entre nós. Choramos e aliviamos em saber que ela havia ido embora de velhice mesmo, sem doenças e lúcida.
Se questionada novamente, este ano, teria duas lembranças ruins. A morte precoce e abrupta do meu tio Bubi foi a primeira.
Ele foi um cara excepcional. Era malandro, mas com a malandragem daqueles homens antigos, que usavam sapato branco e chapéu de palha. Aliás, dava chapéu em quem quisesse e ninguém magoava, pois sua simpatia impedia e nunca feriu ninguém ou pretendeu fazer mal. Malandragem que todos sentem falta. Homem que emanava vida e amava viver. Dele conto duas passagens. Uma em seu velório e podem até achar que o humor é negro, mas vindo dele, não poderíamos esperar mais nada, e a outra – existiram muitas –, foi em um feriado. Farei um breve relato. Bubi, apelido germânico do Jorge Lang Filho, havia comprado uma mega casa no interior de São Paulo. Mega para nossos padrões, deixo claro. Casa com piscina, quadra de tênis, quartos de hóspedes, enfim, uma casa bacana para reunir a molecada (característica deles – casa cheia de pessoas, festa ano inteiro). Churrasco e cerveja no feriado todo. Ele era um amante da culinária e quando lá, era o Chef. Suou para realizar esse sonho. Nesse dia em questão, ele fez gulasch, prato adorado por nós, mas não comeu. Disse que estava mal, com dor no corpo, como se viesse uma gripe forte. Perguntou-me se cebola tinha alguma vitamina e era bom para gripe. Falei que sabia do alho, e todos concordaram, mas que cebola ao menos iria acabar com a congestão nasal. Ele bateu no liquidificador uma cebola roxa com o alho, bebeu e foi deitar.
Segunda, após o feriado, levou minha tia ao hospital, com crise de labirintite. Aproveitou e foi queixar-se ao médico. Minha tia veio embora e ele ficou. Infartado. Pode?! Depois disse- me que a cebola salvou a vida dele. Esse era o tio Bubi. Positivo, sempre!
A passagem no velório dele, recente – me perdoe pai, primos, tios e Mama – diz respeito ao seu estilo de vida, abrilhantada.
Ele sempre quis viver com tudo que a vida oferece de bom – vinho, comida, restaurante, hotel – e quem não quer? -, em grande estilo. E justamente quando conquistava seu lugar ao sol, foi ceifado precocemente.
Faleceu em um acidente de avião, onde era o piloto, junto com a família toda do empresário para quem pilotava, incluindo netos e babás . O velório, triste para todos, foi o mais comovente que eu já presenciei. Caixões pequeninos e adultos, velados lado a lado. Sete, se não me engano, ao todo. A funcionária de confiança do empresário organizou tudo. Eficientemente. Se não fossem os caixões, pareceria com uma recepção de casamento. Café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde.
Sabem como é velório? Encontramos parentes e amigos que não vemos há anos ou nem conhecemos. Lá, minhas filhas foram apresentadas a alguns e eu vi outros que não reconheceria na rua, se em mim esbarrassem!
Em certa hora, chega uma amiga da minha prima, que não víamos há séculos. A moça entra no saguão do velório, para na nossa rodinha, olha para nós, e antes de cumprimentar qualquer um, solta essa pérola:
- CARALHO!! O tio é foda!! Até pra morrer foi em grande estilo! Olha isso aqui. Tem até o Governador do Estado!
Todos, mudos e perplexos frente à espontaneidade dela. Coberta de razão. Se houve alguém a quem Deus disse desce e arrasa, foi para ele.
Assim foi a vida dele. Cheia de amigos, festas, eterna confraternização. Homem privilegiado – quem consegue viver tão profundamente? – e amado, por sua esposa, seus filhos, parentes e amigos. Assim foi a morte dele. Morreu fazendo o que mais gostava e foi enterrado em grande estilo, como gostava de viver. Esse é O Cara!
Viveu intensamente, cada dia de sua breve vida. Aqui deixou três filhos maravilhosos uma neta, esposa saudosa e irmãos, irmãs e mãe.
Eu queria ter vivido até aqui como ele, mas isso não é para qualquer um! Leve, com certa irresponsabilidade e cativando todos do meu caminho.
Tio Bubi, fica aí, sob as mãos Dele, pois aqui todos rezam por sua alma.
TE AMAMOS!
Saudade
S2
P.S.: quem sabe um dia, quando o outro momento doer menos, tenha coragem de postar... :-(
Se questionada novamente, este ano, teria duas lembranças ruins. A morte precoce e abrupta do meu tio Bubi foi a primeira.
Ele foi um cara excepcional. Era malandro, mas com a malandragem daqueles homens antigos, que usavam sapato branco e chapéu de palha. Aliás, dava chapéu em quem quisesse e ninguém magoava, pois sua simpatia impedia e nunca feriu ninguém ou pretendeu fazer mal. Malandragem que todos sentem falta. Homem que emanava vida e amava viver. Dele conto duas passagens. Uma em seu velório e podem até achar que o humor é negro, mas vindo dele, não poderíamos esperar mais nada, e a outra – existiram muitas –, foi em um feriado. Farei um breve relato. Bubi, apelido germânico do Jorge Lang Filho, havia comprado uma mega casa no interior de São Paulo. Mega para nossos padrões, deixo claro. Casa com piscina, quadra de tênis, quartos de hóspedes, enfim, uma casa bacana para reunir a molecada (característica deles – casa cheia de pessoas, festa ano inteiro). Churrasco e cerveja no feriado todo. Ele era um amante da culinária e quando lá, era o Chef. Suou para realizar esse sonho. Nesse dia em questão, ele fez gulasch, prato adorado por nós, mas não comeu. Disse que estava mal, com dor no corpo, como se viesse uma gripe forte. Perguntou-me se cebola tinha alguma vitamina e era bom para gripe. Falei que sabia do alho, e todos concordaram, mas que cebola ao menos iria acabar com a congestão nasal. Ele bateu no liquidificador uma cebola roxa com o alho, bebeu e foi deitar.
Segunda, após o feriado, levou minha tia ao hospital, com crise de labirintite. Aproveitou e foi queixar-se ao médico. Minha tia veio embora e ele ficou. Infartado. Pode?! Depois disse- me que a cebola salvou a vida dele. Esse era o tio Bubi. Positivo, sempre!
A passagem no velório dele, recente – me perdoe pai, primos, tios e Mama – diz respeito ao seu estilo de vida, abrilhantada.
Ele sempre quis viver com tudo que a vida oferece de bom – vinho, comida, restaurante, hotel – e quem não quer? -, em grande estilo. E justamente quando conquistava seu lugar ao sol, foi ceifado precocemente.
Faleceu em um acidente de avião, onde era o piloto, junto com a família toda do empresário para quem pilotava, incluindo netos e babás . O velório, triste para todos, foi o mais comovente que eu já presenciei. Caixões pequeninos e adultos, velados lado a lado. Sete, se não me engano, ao todo. A funcionária de confiança do empresário organizou tudo. Eficientemente. Se não fossem os caixões, pareceria com uma recepção de casamento. Café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde.
Sabem como é velório? Encontramos parentes e amigos que não vemos há anos ou nem conhecemos. Lá, minhas filhas foram apresentadas a alguns e eu vi outros que não reconheceria na rua, se em mim esbarrassem!
Em certa hora, chega uma amiga da minha prima, que não víamos há séculos. A moça entra no saguão do velório, para na nossa rodinha, olha para nós, e antes de cumprimentar qualquer um, solta essa pérola:
- CARALHO!! O tio é foda!! Até pra morrer foi em grande estilo! Olha isso aqui. Tem até o Governador do Estado!
Todos, mudos e perplexos frente à espontaneidade dela. Coberta de razão. Se houve alguém a quem Deus disse desce e arrasa, foi para ele.
Assim foi a vida dele. Cheia de amigos, festas, eterna confraternização. Homem privilegiado – quem consegue viver tão profundamente? – e amado, por sua esposa, seus filhos, parentes e amigos. Assim foi a morte dele. Morreu fazendo o que mais gostava e foi enterrado em grande estilo, como gostava de viver. Esse é O Cara!
Viveu intensamente, cada dia de sua breve vida. Aqui deixou três filhos maravilhosos uma neta, esposa saudosa e irmãos, irmãs e mãe.
Eu queria ter vivido até aqui como ele, mas isso não é para qualquer um! Leve, com certa irresponsabilidade e cativando todos do meu caminho.
Tio Bubi, fica aí, sob as mãos Dele, pois aqui todos rezam por sua alma.
TE AMAMOS!
Saudade
S2
P.S.: quem sabe um dia, quando o outro momento doer menos, tenha coragem de postar... :-(
quinta-feira, 12 de novembro de 2009
Young!
Uma vez saí com um rapaz. Ele me abordou gentil e sutilmente, às 6 da matina, em uma loja de conveniência em um posto de gasolina. Trouxe-me um sonho de valsa e muitos elogios. Conversamos por vários minutos e pediu meu número de telefone. Corpo atlético, alto, mãos grandes e bonitas, rosto de bebê Jonhson, fisioterapeuta. Dei o número. Quatro anos mais novo.
Conversamos por telefone durante uma semana, até ouvir o convite para sair. Enquanto resolvíamos onde ir, ele disse-me que estava em overtrainning – treinamento excessivo –, segundo ele, afastado do trabalho e sob efeito de analgésicos. Atravessava o morro da nova Cintra, depois de correr a orla da praia toda e puxar ferro durante hoooooras na academia. Eu não corro esse risco...no máximo ganho uma distensão por me posicionar errado no aparelho de ginástica.
Eu falei para deixarmos para outro dia, quando ele se sentisse melhor, mas insistiu em marcar aquela noite, então lá fui eu.
Até que estava animadinha, mas sei lá o que me deu, fiquei sem muita vontade e até arrependida de ter aceitado. Tentei muito em declinar, com aquelas desculpas de sempre e que achamos que cola, mas, se fosse comigo ficaria muito brava, resolvi ir.
Cheguei em casa em cima da hora para me trocar. Tomei banho, escolhi a primeira calça que apareceu no armário, a regatinha que olhou pra mim na gaveta, o salto preferido, rímel e batom, amigos e companheiros de todos os dias, perfume e, fui.
Pediu para eu buscá-lo na orla da praia. Estranhei, mas busquei. Pensei que não tinha carro, mas vi descendo de um, quando estacionei ao seu lado. Entrou e me beijou no rosto, combinamos onde ir e guiei, conversando desanimada e desconfortadamente.
Não gosto nos primeiros encontros, em particular no primeiro encontro, pedir ao cidadão que me busque e nunca tinha ido buscar nenhum homem. Quero, se alguma coisa me desagradar, ir embora antes. Se eu não gostar do andamento da coisa, corro sem olhar pra trás.
Fiz meu pedido ao garçom, chopp, ele escolheu a bebida dele, água, pois estava em dieta. Não estranhei pois meu ex-marido não bebia nada alcoólico.
Conversamos um pouco e o rapaz escorregou no tomate, meteu o pé na jaca, nos primeiros minutos. Erro número um: disse que ainda estava ligado na antiga namorada.
Tem algo mais deselegante que falar sobre ex no primeiro encontro? Acho que ele fugiu da aula onde dizia ser proibido tocar no nome de ex qualquer, principalmente no primeiro encontro. Humpf! Eu sabia. Quando a esmola é demais...
Fiquei mais desanimada.
Desce mais um chopp. Conversa vai, conversa vem e...erro número dois: afirmou que TODAS as mulheres só querem o dinheiro dos homens! Coitado... Não tá dando um dentro, pobrezinho. Quem me conhece sabe de meu histórico feminista. Tsc, tsc, tsc. Erro fatídico.
E era tão bonitinho o moço... Bom, pensei comigo, melhor dar uma chance a mais para ele. Quem sabe a conversa melhora. Afinal, todos os homens são machistas! Quem sabe ele é menos machista. Quem sabe ele nasce de novo!!
Revidei com argumentos que o deixaram meio zonzo, até achei que o enfureceria e com isso o encontro acabaria, mas que! Ele só fazia elogiar mais e mais minha aparência e minha suposta inteligência (vindo dele, nem era muito elogio, rsrs). O esquisito é que ele estava inquieto na cadeira, a noite toda.
Mais um chopp, por favor! No caso dele as mulheres não deviam ser interesseiras. Deviam é beber mais!!
Mais conversinha banal, vazia, insossa. Um rapaz agradável aos olhos e, como não tinha mais nada a fazer, fiquei lá, ouvindo.
Resmunguei que precisava comer. Quando o cardápio chegou, veio junto o erro número três, o tiro de misericórdia.
- Preciso contar uma coisa... – falou o indivíduo.
- Diga. Não sei se quero muito saber...enfim...
- Estou sem graça...
- Por que? Fala! Que que houve?
- É que estou fazendo uma dieta, como já disse, e acho que aqui não há muita coisa que eu possa comer...
- Bom... Leia e escolha, pois eu como até jiló. Falei, já perdendo a paciência.
Olhamos o cardápio, mas sequer passou pela minha cacholinha perguntar o motivo da dieta. Deduzi ser pelo excesso de treino – proteínas e vitaminas, sem gordura e obviamente um boteco não é lugar de comidinha sem gordura. Mas ele, inconformado com a minha falta de curiosidade, resolveu acabar com o restinho da noite e entornar o caldo de vez.
- Eu preciso falar... gosto de ser honesto e não dá pra mentir num primeiro encontro...mas ó...cê vai tê que me prometê que isso não vai atrapalhar nada, promete, linda? Afinal, somos da área da saúde e você vai entender... Será?!...
- Bom, não prometo nada...mas estou ficando chateada. Fala de uma vez, pois não gosto de ser enrolada... Você é diabético? Hemofílico? Está em quimioterapia ou rádio? Fala, homem!!
- Não, nada disso...não sei se notou, mas estou me mexendo a noite toda na cadeira...
- Percebi sim...e que tem isso?
- ...inclusive afastado da Santa Casa. E hoje vim te ver a base de tramal, intramuscular...vê que importância eu dei ao nosso encontro?
- Tá, mas o que você tem?? Fico lisonjeada com o esforço...
- E por causa disso, eu não posso comer várias coisas...
- Tá, eu já entendi...mas se não é nada daquilo que achei, o que você tem? Em tom furioso...
- Eu tô com um probleminha no meu Foreves Young...
- Como?! Não entendi! Onde?!
- É... lá... no foreves... Rindo, como se tivesse alguma graça... E continuou: Na realidade, por causa do excesso de treino e pegar pesado na musculação, sabe o que acontece com quem treina demasiado, né?
- Sei, sim. Disse, muito brava e estupefata. – Geralmente os marombeiros acabam com hemorróidas...
- Pois é...estava constrangido em falar, mas sei que é da nossa área e que iria entender.
Vendo meu rosto, contrariada, começou a tentar reverter o constrangimento que estacionou na nossa mesa.
Bom, o que posso lhes falar? Perdi a fome com a imagem de uma hemorróida pululando na minha mente. Depois de não escutar o que ele dizia, pois só pensava na dita, fui ao banheiro, não sem antes dizer que queria a conta.
Só para fechar com chave de ouro, quando a conta chegou, ele empurrou, aberta, a caderneta mais para perto de mim – e eu só entendi dias depois -, dizendo em tom soberbo:
- Hoje é por minha conta!
Eu tinha que passar por isso!! Em plena quinta-feira, um homem atraente e lindo ao meu lado e deselegante ao extremo. Não sei também se é falta de elegância ou educação...talvez até de simancol...
Por isso digo...
Só comigo mesmo...
Conversamos por telefone durante uma semana, até ouvir o convite para sair. Enquanto resolvíamos onde ir, ele disse-me que estava em overtrainning – treinamento excessivo –, segundo ele, afastado do trabalho e sob efeito de analgésicos. Atravessava o morro da nova Cintra, depois de correr a orla da praia toda e puxar ferro durante hoooooras na academia. Eu não corro esse risco...no máximo ganho uma distensão por me posicionar errado no aparelho de ginástica.
Eu falei para deixarmos para outro dia, quando ele se sentisse melhor, mas insistiu em marcar aquela noite, então lá fui eu.
Até que estava animadinha, mas sei lá o que me deu, fiquei sem muita vontade e até arrependida de ter aceitado. Tentei muito em declinar, com aquelas desculpas de sempre e que achamos que cola, mas, se fosse comigo ficaria muito brava, resolvi ir.
Cheguei em casa em cima da hora para me trocar. Tomei banho, escolhi a primeira calça que apareceu no armário, a regatinha que olhou pra mim na gaveta, o salto preferido, rímel e batom, amigos e companheiros de todos os dias, perfume e, fui.
Pediu para eu buscá-lo na orla da praia. Estranhei, mas busquei. Pensei que não tinha carro, mas vi descendo de um, quando estacionei ao seu lado. Entrou e me beijou no rosto, combinamos onde ir e guiei, conversando desanimada e desconfortadamente.
Não gosto nos primeiros encontros, em particular no primeiro encontro, pedir ao cidadão que me busque e nunca tinha ido buscar nenhum homem. Quero, se alguma coisa me desagradar, ir embora antes. Se eu não gostar do andamento da coisa, corro sem olhar pra trás.
Fiz meu pedido ao garçom, chopp, ele escolheu a bebida dele, água, pois estava em dieta. Não estranhei pois meu ex-marido não bebia nada alcoólico.
Conversamos um pouco e o rapaz escorregou no tomate, meteu o pé na jaca, nos primeiros minutos. Erro número um: disse que ainda estava ligado na antiga namorada.
Tem algo mais deselegante que falar sobre ex no primeiro encontro? Acho que ele fugiu da aula onde dizia ser proibido tocar no nome de ex qualquer, principalmente no primeiro encontro. Humpf! Eu sabia. Quando a esmola é demais...
Fiquei mais desanimada.
Desce mais um chopp. Conversa vai, conversa vem e...erro número dois: afirmou que TODAS as mulheres só querem o dinheiro dos homens! Coitado... Não tá dando um dentro, pobrezinho. Quem me conhece sabe de meu histórico feminista. Tsc, tsc, tsc. Erro fatídico.
E era tão bonitinho o moço... Bom, pensei comigo, melhor dar uma chance a mais para ele. Quem sabe a conversa melhora. Afinal, todos os homens são machistas! Quem sabe ele é menos machista. Quem sabe ele nasce de novo!!
Revidei com argumentos que o deixaram meio zonzo, até achei que o enfureceria e com isso o encontro acabaria, mas que! Ele só fazia elogiar mais e mais minha aparência e minha suposta inteligência (vindo dele, nem era muito elogio, rsrs). O esquisito é que ele estava inquieto na cadeira, a noite toda.
Mais um chopp, por favor! No caso dele as mulheres não deviam ser interesseiras. Deviam é beber mais!!
Mais conversinha banal, vazia, insossa. Um rapaz agradável aos olhos e, como não tinha mais nada a fazer, fiquei lá, ouvindo.
Resmunguei que precisava comer. Quando o cardápio chegou, veio junto o erro número três, o tiro de misericórdia.
- Preciso contar uma coisa... – falou o indivíduo.
- Diga. Não sei se quero muito saber...enfim...
- Estou sem graça...
- Por que? Fala! Que que houve?
- É que estou fazendo uma dieta, como já disse, e acho que aqui não há muita coisa que eu possa comer...
- Bom... Leia e escolha, pois eu como até jiló. Falei, já perdendo a paciência.
Olhamos o cardápio, mas sequer passou pela minha cacholinha perguntar o motivo da dieta. Deduzi ser pelo excesso de treino – proteínas e vitaminas, sem gordura e obviamente um boteco não é lugar de comidinha sem gordura. Mas ele, inconformado com a minha falta de curiosidade, resolveu acabar com o restinho da noite e entornar o caldo de vez.
- Eu preciso falar... gosto de ser honesto e não dá pra mentir num primeiro encontro...mas ó...cê vai tê que me prometê que isso não vai atrapalhar nada, promete, linda? Afinal, somos da área da saúde e você vai entender... Será?!...
- Bom, não prometo nada...mas estou ficando chateada. Fala de uma vez, pois não gosto de ser enrolada... Você é diabético? Hemofílico? Está em quimioterapia ou rádio? Fala, homem!!
- Não, nada disso...não sei se notou, mas estou me mexendo a noite toda na cadeira...
- Percebi sim...e que tem isso?
- ...inclusive afastado da Santa Casa. E hoje vim te ver a base de tramal, intramuscular...vê que importância eu dei ao nosso encontro?
- Tá, mas o que você tem?? Fico lisonjeada com o esforço...
- E por causa disso, eu não posso comer várias coisas...
- Tá, eu já entendi...mas se não é nada daquilo que achei, o que você tem? Em tom furioso...
- Eu tô com um probleminha no meu Foreves Young...
- Como?! Não entendi! Onde?!
- É... lá... no foreves... Rindo, como se tivesse alguma graça... E continuou: Na realidade, por causa do excesso de treino e pegar pesado na musculação, sabe o que acontece com quem treina demasiado, né?
- Sei, sim. Disse, muito brava e estupefata. – Geralmente os marombeiros acabam com hemorróidas...
- Pois é...estava constrangido em falar, mas sei que é da nossa área e que iria entender.
Vendo meu rosto, contrariada, começou a tentar reverter o constrangimento que estacionou na nossa mesa.
Bom, o que posso lhes falar? Perdi a fome com a imagem de uma hemorróida pululando na minha mente. Depois de não escutar o que ele dizia, pois só pensava na dita, fui ao banheiro, não sem antes dizer que queria a conta.
Só para fechar com chave de ouro, quando a conta chegou, ele empurrou, aberta, a caderneta mais para perto de mim – e eu só entendi dias depois -, dizendo em tom soberbo:
- Hoje é por minha conta!
Eu tinha que passar por isso!! Em plena quinta-feira, um homem atraente e lindo ao meu lado e deselegante ao extremo. Não sei também se é falta de elegância ou educação...talvez até de simancol...
Por isso digo...
Só comigo mesmo...
Assinar:
Postagens (Atom)